terça-feira, 5 de abril de 2011

Ciclos (Fernando Pessoa)

Sempre é preciso saber quando uma etapa chega ao fim. Se insistirmos permanecer nela mais do que o tempo necessário, perdemos a alegria e o sentido das outras etapas que precisamos viver. Encerrando ciclos, fechando portas, terminando capítulos. Não importa o nome que damos, o que importa é deixar no passado os momentos da vida que já se acabaram. Foi despedido do trabalho? Terminou uma relação? Deixou a casa dos pais? Partiu para viver em outro país? A amizade, tão longamente cultivada, desapareceu sem explicações? Você pode ficar muito tempo se perguntando porque isso aconteceu. Pode dizer para si mesmo que não dará mais um passo enquanto não entender as razões que levaram certas coisas, que erram tão importantes e sólidas em sua vida, serem subitamente transformadas em pó. Mas tal atitude será um desastre imenso para todos; seus pais, sua esposa ou seu marido, seus amigos, seus filhos, seu irmão, todos estarão encerrando capítulos, virando a folha, seguindo adiante e todos sofrerão ao ver que você está parado. Ninguém pode, ao mesmo tempo, estar no presente e no passado, nem mesmo quando tentamos entender as coisas que acontecem conosco. O que passou não voltará, não podemos ser eternamente meninos, adolescentes tardios, filhos que se sentem culpados ou rancorosos com os pais, amantes que revivem, noite e dia, uma ligação com quem foi embora e não tem a menor intenção de voltar. As coisas passam e o melhor que fazemos é deixar que realmente elas possam ir embora. Por isso é tão importante, por mais doloroso que seja, destruir recordações, mudar de casa, dar muitas coisas para orfanatos, vender ou doar os livros que tem. Tudo neste mundo visível é uma manifestação do mundo invisível, do que está acontecendo em nosso coração... E o desfazer de certas lembranças significa também abrir espaços para que outros tomem o sue lugar. Deixar ir embora, soltar, desprender-se. Ninguém está jogando nesta vida cartas marcadas, portanto, algumas vezes ganhamos outras perdemos. Não espere que devolvam algo, que reconheçam o seu esforço, que descubram seu gênio, que entendam o seu amor. Pare de ligar a sua televisão emocional e assistir sempre o mesmo programa, que mostra como você sofreu com determinada perda: isso estará apenas envenenando e nada mais. Não há nada mais perigoso que rompimentos amorosos que não são aceitos, promessas de emprego que não tem data marcada para começar, decisões que sempre são adiadas em nome do "momento ideal". Antes de começar um capítulo novo é preciso terminar o antigo, diga a si mesmo que o que passou jamais voltará. Lembre-se de que houve uma época em que podia viver sem aquilo, sem aquela pessoa. Nada é insubstituível, um hábito não é uma necessidade. Pode parecer óbvio, pode mesmo ser difícil, mas é muito importante encerrar ciclos. Não por causa do orgulho, por incapacidade ou soberba, mas porque simplesmente aquilo já não se encaixa mais na sua vida. Feche a porta, mude o disco, limpe a casa, sacuda a poeira, deixe de ser quem era e transforme em quem é. Torne-se uma pessoa melhor e assegura-te de que saber bem quem és tu próprio, antes de conheceres alguém e esperares que ele veja quem tu és. E lembre-te: "Tudo o que chega, chega sempre por alguma razão."
        
{Fernando Pessoa}